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26/07/2024
Tramela
É incrível como nós "seres humanos" se preocupamos tanto com a segurança das coisas materiais e negligenciamos a segurança sobre a saudade das nossas relações sociais. Obviamente falo por mim e pelos exemplos que conheço, sem pretensão nenhuma de generalizar.
Se resolvo voltar no tempo, me deparo com cenas que ilustram uma realidade bem diferente. Quando era menino, lembro perfeitamente de ver meu pai fechando as janelas da casa para os gatos não entrarem, e tramelando a porta para então a gente ir para a roça. Muitas vezes levávamos almoço pois só iríamos retornar à noite. Não havia preocupação em proteger a casa que ficava literalmente aberta.
Algo deve ter acontecido por lá para que surgisse uma corrente e um cadeado. Mas desde então, mesmo com a corrente e o cadeado, quando todos saiam, a gente deixava a chave em um lugar que quase todos os vizinhos próximos sabiam onde estava, indicativo de que a proteção era para gente vinda de longe, ou gente estranha.
Já em aspectos de amizades, vizinhança e com as visitas, meu pai sempre estava atento às suas atitudes, pois o respeito e o cuidado para evitar um mal entendido ou uma mágoa era sempre o norteador de suas conversas e decisões.
Hoje percebo que ninguém mais se preocupa com o que os outros pensam, pouco importa se vai ferir alguém, se alguém não gostar que "se lasque" e assim por diante. Para a conduta de uma boa relação não há sequer uma tramela que impeça de alguém puxar o tapete, fofocar, falar mal, virar as costas… Já nas coisas materiais as casas e carros parecem cofres de banco, cheio de alarmes, câmeras, fechaduras…
Há um individualismo no coração das pessoas que faz o valor das coisas ser maior do que o valor das pessoas. Quanto aos sentimentos, o próprio vale mais do que o sentimento do próximo. Parece que a fechadura foi tirada do coração e colocada nos bens materiais. Uma tramela em sinal de respeito seria suficiente, tanto para a vida quanto para as coisas, não fosse a inversão de valores que existe.
Eu sei que as coisas mudaram muito desde o tempo de minha infância, mas eu queria entender em qual momento que tudo isso mudou. Porque às vezes, confesso, tenho tanta vontade de deixar a casa aberta e sair sem preocupação, do mesmo modo que sinto falta de ver as pessoas demonstrando respeito pelo pensar do outro. Não cairia mal uma tramela a mais na vida das pessoas e uma tramela a menos nas coisas das pessoas.