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Lombo liso
Sempre houve e sempre haverá uma certa guerra entre a razão e o coração. Há quem diga que a vida não passa de infinitas tomadas de decisões e escolhas… Algumas dessas decisões a gente faz sem dar-se conta, outras a gente em plena consciência das possíveis consequências.
Na minha adolescência eu desafiava as leis da racionalidade para poder viver um pouco daquilo que eu gostava. Durante minha adolescência meu pai não dava liberdade para quase nada. Era estudar, trabalhar e, aos finais de semana, ficar em casa.
Houve uma vez que saí, em um sábado de madrugada, para ir jogar futsal em um torneio, obviamente contrariando a vontade de meu pai. Como fomos com a equipe de ônibus e a cidade dos jogos era longe, fiquei incomunicável. Passei o dia jogando, a nossa equipe foi se classificando e o dia foi acabando… Quando me dei por conta já era noite. Não tinha como avisar, não tinha como sair antes, enfim cheguei em casa já eram quase dez horas da noite.
Obviamente que não ficou só no sermão, meu pai tinha uma psicologia bastante voltada para o "marmelo". Nessas horas de desobediência ele dizia: "Tu não vais sair de lombo liso".
Nesse tempo os meus sonhos, minhas aventuras e meus romances representavam o "coração". Já a doutrina do meu pai a "razão". A maioria das decisões que tomei fazendo escolhas entre minhas aventuras e a doutrina dele, foram conscientes. Eu sabia que teria que passar por ele depois, mesmo assim fui, pois julgava que o que eu ia viver valia o castigo. Toda escolha gera consequências e nem sempre vamos conseguir evitar as dores.
O sofrimento chega quando as escolhas não dependem meramente da nossa vontade, quando há outros fatores que influenciam na escolha a ser feita. Quando conseguimos medir certo e claro qual a consequência será gerada, fica mais fácil decidir se o risco compensará o gostinho de viver algo bom.
Hoje, com mais sabedoria, eu sei que as escolhas geram muito mais impactos do que eu pensava. Jamais parei, naquele tempo, para pensar na preocupação do meu pai, na dor do ego dele de ser desrespeitado, e que muitas vezes ele também nutria uma certa dor pelo fato da minha desobediência.
Tomar decisão de viver ou não viver algo, não gera consequências somente para quem toma a decisão, gera dor em mais corações, gera consequências em mais pessoas, e chega um momento em que a escolha é baseada em quem vai sofrer o castigo. Se fosse somente a gente que sofresse, seria tranquilo escolher, mas quando a vida vai açoitar outros corações, aí não é nada fácil tomar decisões.
O meu pai, digo a vida, está com a varinha de marmelo pronta para o castigo, e não é fácil tomar decisões guiadas pelo coração e sair assim, "de lombo liso".