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04/04/2023
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O ETARISMO PRESENTE NO MERCADO DE TRABALHO

Preconceito ligado à idade é um dos desafios enfrentados por pessoas com mais de 40 anos que buscam uma recolocação profissional.

No início de março (dia 10), um vídeo viralizou na internet mostrando três universitárias do curso de Biomedicina de uma instituição privada de Bauru (SP) debochando de uma colega pelo fato dela ter 40 anos e ainda estar estudando - na ocasião, elas chegaram a dizer que ela “deveria estar aposentada”. O caso gerou revolta e manifestações de solidariedade, chamando a atenção, mais uma vez, para a questão do ETARISMO, que atinge homens e mulheres nas mais diversas áreas, inclusive no mercado de trabalho. Os desafios de buscar uma recolocação profissional na maturidade incluem o preconceito ligado à idade, mostrando que ainda estamos longe de compreender e lidar assertivamente com a questão.

O assunto carece de um profundo debate junto à sociedade, uma vez que impacta a vida de todos nós. Não percebeu ainda? Então, lembre-se que o envelhecimento é um processo natural na vida dos seres humanos, e quem tiver sorte - e saúde - também vai chegar lá. Com o aumento da expectativa de vida e os inúmeros desafios ligados à aposentadoria (encolhimento de valores, mudanças no limite mínimo de idade e outras questões), o mercado de trabalho precisará absorver - e valorizar - profissionais mais maduros. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que a população mundial envelhece rapidamente e a projeção é que o número de pessoas com mais de 60 anos chegue a 1,4 bilhão em 2030.

PROFISSIONAIS 40+ SOFREM COM O ETARISMO

De acordo com Stefan Ligocki - especialista em Longevidade e CEO da Mais 40+ (empresa de consultoria e treinamentos na área de Diversidade e Inclusão Etária com sede em Porto Alegre -RS) um levantamento de 2022 do site Infojobs revelou que 70% dos profissionais com mais de 40 anos já sofreram com o etarismo em processos seletivos e por isso não conseguem se recolocar. “É um dado preocupante, sobretudo se considerarmos que a população está envelhecendo: segundo o IBGE, 40% da população brasileira já tem mais de 40 anos”, explica. E completa: “Em 2040, 57% da população ativa do país terá 45 anos ou mais. Aí fica a pergunta: se a população está envelhecendo, como as empresas vão preencher as suas posições dentro de alguns anos? A conta não fecha”.

Ligocki chama a atenção para outra questão: “Nos últimos 20 anos, as empresas têm passado por um forte processo de ‘juniorização’ dos seus times - um reflexo direto de uma crença limitante do mercado de que somente os jovens seriam habilitados a lidar com novas tecnologias e ferramentas que surgiram na Era Digital”. Ele frisa que além dessa crença limitante de que os profissionais maduros são “desatualizados”, há outros mitos que dificultam a recolocação de pessoas com mais de 40 anos no mercado de trabalho, como aqueles que sustentam que os seniores são “cansados”’, “caros” e “resistentes”. Mas para o especialista, não há qualquer dado consistente que sustente essas afirmações e elas seguem alimentando o preconceito de idade contra essas pessoas. “Estimativas do IBGE mostram que atualmente, o Brasil tem mais de 400 mil desempregados com mais de 40 anos”, destaca.

MUITAS EMPRESAS AINDA MANTÉM UMA MENTALIDADE " JOVEM - CÊNTRICA" 

Segundo Ligocki, a grande maioria das empresas ainda não está abrindo espaço para os profissionais maduros de forma geral no Brasil, inclusive no Rio Grande do Sul. Pelo contrário, ainda trabalham dentro de uma mentalidade “jovem-cêntrica” no momento de contratar, desenvolver e demitir profissionais. Ele explica: "Essas empresas dão prioridade para a contratação e desenvolvimento de jovens, além de priorizar a demissão de quem tem mais de 40 anos quando decide dispensar colaboradores”.

Ainda há outro dado assustador destacado pelo especialista: “De acordo com uma pesquisa realizada pela consultoria Ernest Young em julho de 2022 com gestores de 191 empresas brasileiras, 88% delas não contam com políticas contra o preconceito de idade em seus processos seletivos e 41% dos líderes ainda não têm sequer uma visão clara sobre o que é ‘etarismo’. Ou seja, temos muito a avançar nesse tema”.

ALGUNS SETORES ABSORVEM POFISSIONAIS MAIS MADUROS

Para Rosângela Sauthier Zwirtes da Costa, 36 anos - psicóloga e consultora empresarial, especialista em Gestão de Pessoas - questões ligadas ao etarismo no mercado de trabalho surgem em algumas situações mais específicas em nossa região, ficando mais evidentes em relação a algumas profissões ou setores. “Principalmente tecnologia e marketing, em áreas que envolvam criação, desenvolvimento e uso de sistemas. Talvez ainda se tenha a ideia de que pessoas mais jovens apresentam mais habilidades ou perfil mais adequado para certas áreas, certos setores”, afirma.

Mas ela explica que, por outro lado, existem empresas cujas demandas pedem pessoas com mais maturidade e mais experiência. “Depende muito do momento de mercado, se existe mais ou menos oferta de emprego. Na minha visão, na minha prática, eu percebo que isso pode ser muito seletivo, pode estar relacionado a alguns espaços, algumas áreas, setores específicos do conhecimento”. Rosângela acredita que nas áreas mais técnicas, operacionais, a questão não esteja tão presente, visto que muitas empresas e negócios acabam necessitando da mão-de-obra, independente da idade do trabalhador. Mas ressalta: “Vejo que em algumas situações, onde o trabalho é mais intelectualizado, esse aspecto do etarismo pode estar mais evidente”.

EMPRESAS PRECISAM ESTAR RECEPTIVAS ÀS MUDANÇAS 

A consultora empresarial e especialista acredita que muitas empresas da região estejam mais receptivas às mudanças que acontecem no cenário contemporâneo. Ela explica que é possível identificar algumas mais abertas às situações que se apresentam - em relação às contratações, à questão da idade, à questão de novas experiências, à questão da mulher no mercado de trabalho e à adaptação em relação às várias circunstâncias, como quebras de paradigmas ou mesmo diminuição de crenças. “Isso é algo notório e necessário”, afirma.

Para Rosângela, empresas e pessoas vão precisar se abrir às novas possibilidades, ao novo ser e agir das pessoas, criando ambientes mais receptivos, de mais acolhimento e segurança psicológica. “Se os negócios não permitirem o acolhimento das múltiplas diferenças que temos na sociedade, não vão conseguir desenvolver um trabalho igualitário num ambiente de trabalho saudável”, alerta.

E para quem está enfrentando o etarismo no ambiente de trabalho ou na busca pela recolocação profissional, a orientação de Rosângela é acreditar em si mesmo, uma vez que a idade não é determinante para dizer se somos aptos ou não para fazer alguma coisa. “Quanto mais experiência temos, mais aprendizado adquirimos, num processo contínuo de evolução. A idade não pode ser um pré-requisito em relação a nossa capacidade, até porque sabemos da neuroplasticidade do cérebro - estamos sempre aprendendo e inovando, fazendo novas conexões, aprimorando nosso desenvolvimento. precisamos confiar em nós mesmos, no nosso potencial e não desistir de lutar por aquilo que acreditamos”.

STEFAN LIGOCM TEM MAIS DE 40 ANOS E ESTÁ BUSCANDO UMA RECOLOCAÇÃO PROFISSIONAL:

- Mantenha-se atualizado sobre novas tecnologias, principalmente na sua área de atuação. Como? Leia muito, estude, faça cursos de curta duração, procure por conteúdos relevantes e gratuitos na internet e em redes sociais, principalmente o LinkedIn.

– Por falar em LinkedIn, hoje é fundamental ter um perfil atualizado na maior rede social profissional do mundo se você deseja buscar uma recolocação no mercado de trabalho, atrair mais clientes para sua empresa (se você é um empreendedor maduro) ou gerar novas oportunidades de carreira. O LinkedIn é o primeiro filtro que a maioria dos recrutadores usa atualmente para prospectar profissionais para vagas em aberto.

– Além do perfil no LinkedIn, também é muito importante estar com o seu currículo atualizado e organizado.

– Se você tem mais de 40 anos e está desempregado há mais de seis meses, avalie a possibilidade de empreender, de gerar a própria renda. Como empreendedor, você pode, por exemplo, vender seu conhecimento e experiência na sua área, atuando como consultor, professor ou mentor de outros profissionais. A modalidade de trabalho “CLT” não é a única forma de atuar no mercado atualmente. Pelo contrário, muitas empresas já não contratam mais profissionais dessa forma, inclusive profissionais maduros.

- Mantenha o "networking" em dia. Quem está procurando emprego ou clientes para sua empresa precisa circular no mercado, tomar um café com ex-colegas de trabalho e amigos, participar de eventos, ser visto e lembrado para gerar novas oportunidades. Se você tem mais de 40 anos, certamente conhece muita gente. Relacione-se também com outros profissionais nas redes sociais.

– Mantenha o otimismo diante das dificuldades e não desista diante da primeira dificuldade.

Stefan Ligocki é consultor, professor, palestrante e criador de conteúdo nas áreas de marketing, vendas, marca pessoal, empreendedorismo, Mercado da Longevidade e Diversidade e Inclusão Etária, além de ser um dos principais especialistas do Brasil na rede social LinkedIn (desde 2022, faz parte do LinkedIn para Creators - o programa oficial de criadores de conteúdo da plataforma no Brasil).

Ligocki é jornalista, pós-graduado em Gestão Empresarial pela FGV (2009) e em Marketing Estratégico pela ESPM (2015). Em 2021, tornou-se também especialista em Mercado da Longevidade (também pela FGV) e no ano seguinte, fundou a Mais 40+, empresa de consultoria e treinamentos na área de Diversidade e Inclusão Etária.

Rosângela Sauthier Zwirtes da Costa é psicóloga e consultora empresarial, especialista em Gestão de Pessoas com Certificação Internacional em Gerenciamento do Estresse e especializanda em Terapia Cognitivo Comportamental

O DEPOIMENTO DE QUEM ENFRENTA O ETARISMO NA BUSCA DE UMA RECOLOCAÇÃO PROFISSIONAL  

Para S.Z. de 53 anos - graduado em Administração e pós-graduado em Marketing - a maturidade chegou bem diferente do previsto. Após atuar por longos anos em empresas da região, ele se viu desempregado e aos poucos, foi ficando sem perspectivas. “No primeiro ano, segui confiante na procura de uma recolocação, mas com o passar do tempo, desanimei. Sempre fui um profissional dedicado e competente e não achei que as coisas ficariam tão difíceis”, desabafa.

Ele explica que ficou muitos anos em cada emprego anterior e quando buscava uma nova oportunidade, as coisas aconteciam rápido. “Não pensei que seria tão diferente agora. Achei que minha rede de contatos e minha capacidade e formação dariam conta do desafio de voltar ao mercado. Mas depois de muitos currículos enviados e entrevistas frustrantes, estou perdendo a capacidade de acreditar.

Percebo que minha idade faz diferença e a essa altura, decidi mudar a rota. O jeito foi aceitar alguns trabalhos temporários numa área completamente diferente da minha e muito aquém da minha capacidade. É decepcionante, mas minha reserva financeira acabou e precisamos sobreviver, eu e minha família”.

Um cenário parecido surge no relato de C.C. 51 anos. Graduada e com especialização, (preferiu não detalhar). Ela trabalhou por muito tempo na área comercial de uma multinacional. Foi demitida há três anos e de lá para cá, vive de ocupações informais, todas muito distantes de sua atuação anterior. “Mando inúmeros currículos, tento fazer contato com pessoas da área, cheguei a fazer várias entrevistas. Mas as minhas expectativas não se concretizam e isso vai gerando uma frustração imensa, que mina a autoconfiança”, afirma.

Ela pontua: “Sei que sou capaz e que posso agregar muito em qualquer empresa que eu entrar, mas sinto que as pessoas me olham como se já não tivesse muito a oferecer. Como se eu estivesse com um prazo de validade estampado na testa”. E completa: “A idade não afeta nossa produtividade, pelo contrário. Pessoas mais maduras são mais comprometidas e experientes, lidam melhor com as adversidades e tem a ponderação que falta ao pessoal mais jovem. Porque muitas empresas ignoram isso? O fato de eu ter 51 anos significa que não tenho mais metas profissionais ou capacidade para atuar profissionalmente? A única coisa que eu e muitas outras pessoas da minha idade precisam é de uma oportunidade. Só isso”.


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